“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

27
Dez 17

Sei, por experiência própria, que, se não quisermos saber de algo ou alguém, então, nem que três vacas tussam o hino nacional enquanto descem a Serra da Estrela de trenó, nada nem ninguém nos vai demover dessa falta de sentimento ou emoção. 

Há livros escritos sobre o tema da motivação e sobre como ser líder influencia o que os outros fazem e sentem. Há vidas inteiras dedicadas ao estudo e tentativa de compreensão dessas merdas. Não era preciso. 

Pergunte-se às pessoas pelo que querem saber ("what do you care about?") e facilmente descobrirão as suas motivações e, consequentemente, forma de as manter motivadas e felizes e felizes por estarem contentes.



Em Lisboa, creio que seja isso. As pessoas não querem saber. Simplesmente não querem saber.



Sinal vermelho? Quero lá saber, passo na mesma! Quem me vai impedir?



Estrada com carros a passar a 50 à hora? Quero lá saber! Vou-me atirar para cima desta passadeira e eles têm de parar!

Alguém a desfalecer encostado a uma parede? Pfff! Nem conheço! Quero lá saber!



Desviar-me, num passeio cheio de gente, criando espaço para que ninguém se tenha de atirar para a estrada/contra uma parede? Quero lá saber! Chegassem mais cedo!



Pode até ser que seja nas grandes cidades que todo este "não quero saber" melhor se veja devido ao stress e rapidez com que a vida por aqui acontece. Pode até ser que seja nas grandes cidades que o stress e rapidez com que a vida por cá se vive seja devido ao "não quero saber" de quem por cá passa. Pescadinha de rabo na boca e, por mais, cheia de fome. 



Talvez seja aqui, sobe esta luz intensa que amplia tudo e torna tudo mais evidente, que se veja o tal estado a que chegámos. Ou talvez o estado a que chegámos seja ele próprio essa luz que tudo queima. 



Não sei.



Só sei que todos os dias, salvo raras excepções, olho à volta e não vejo ninguém feliz. São estados ausentes que conduzem os carros pelo trânsito, que mexem pernas pelas ruas. São olhos vidrados que olham os prédios históricos e mãos adormecidas que seguram os sacos cheios de enche-almas em forma de bens materiais. São pés que não sentem o chão que pisam e, algures ali pelo meio, peitos vazios e ocos que em tempos souberam o que era estarem cheios e a arrebentar de algo. Há um permanente estado de letargia a atirar-se para a irritação que se sente no ar. Não se pode acordar ninguém do seu sono acordado. As consequências podem ser violentas, especialmente para quem e arrancado do seu ó-ó.



 

Há uns tempos, poucos, fui de boleia a um sítio no meu Ribatejo. Sentei-me no banco de trás e pus-me a olhar para a paisagem que, de resto, já vi mil vezes. Paisagem livre, verde, onde se vê o céu e onde, à noite, se vêem estrelas. Campos roliços, montes cuidados, arvoredo bonito que parece estar ali apenas para proteger a terra de onde nasceu. Pessoas rijas, duras, de confiança e cheias do tal sentimento que a tantas falta - elas querem saber.



Eu sou daqui, disse baixinho. Eu sou disto. Eu sou isto.



É disto que quero saber. É isto que me move e comove. É isto que me deixa em mim.



 

Eu reparo nos prédios, desvio-me das pessoas, páro nos sinais vermelhos, faço pisca e dou passagem a peões. Mas, sinceramente, não quero saber. Só o faço para que não me arranquem do meu sono acordado e me obriguem a estar mesmo cá.

publicado por Sónia às 10:08

18
Dez 17

É bem possível que a nossa capital seja o sítio mais propício à demonstração de um grave problema que assola Portugal e as suas gentes – a falta de capacidade de compromisso com seja o que for, quando for, onde for.
Ao nível macro, há muitas e fortes evidências deste flagelo. Vejamos:
- Quem votou nos cabrões no Governo (aplicável desde sempre e a todos os governos)?
Resposta: Ninguém (“eu não votei neles!”, “quem votou neles é que devia ser obrigado a fazer o que dizem!”, “eu nem fui votar!”, “eu votei nulo!”, “eu votei no meu primo Vitó!”, etc.)
- Quem entope as urgências dos hospitais e centros de saúde com situações menores?
Resposta: Eles! São eles, os tansos! Apanham uma constipação e tungas, Santa Maria com eles!, etc.
Mais exemplos há sobre a importância (e culpa) de figuras tão importantes como o Ninguém e o Eles, mas, o tempo urge e este post já vai longo (um cadinho, vá).
Passando para o nível micro, temos situações que também indiciam a falta de compromisso que assola este país. Ora...
- Quem comeu as bolachas que deixei em cima da minha mesa?
Resposta: Eu não fui! (o que dá para traduzir por “ninguém”)
- Quem acabou com o papel higiénico e não substituiu?
Resposta: Ninguém! (a malta até só caga em casa e aquele cheiro que por vezes se sente é dos esgotos).
- Quem foi a última pessoa a sair e deixou as luzes acesas?
Resposta: Ninguém (no entanto, se a pergunta fosse feita com apenas a sua primeira parte, haveria muito boa gente a levantar o bracinho pensando que estavam a fazer boa figura).
Mas a situação que mais indicia esta incapacidade para o compromisso é o flagelo do Pisca-que-nunca-o-é.
Eu explico.
Em Lisboa, existe agora uma moda que possui duas fações.
Ambas contestam o apropriado uso dos piscas para assinalar uma qualquer manobra mas uma é totalmente hardcore, purista e pouco disposta a alterar a sua forma de agir, enquanto que a outra é um pouco mais soft, mais adaptável, mais branda, mas igualmente pouco disposta a alterar a sua forma de agir.
A primeira é a que pura e simplesmente não faz pisca.
Quando empreendem uma qualquer manobra, empreendem-na e pronto. Há um espacinho entre aqueles dois carros numa fila que anda a 5 ou a 120 à hora? É para lá que desviam o carro sem dar pêva a ninguém.
Questionados sobre esta atitude, dirão: Eu?! Eu faço sempre pisca! E até parece que não havia espaço! Até parece que a estrada não é de todos! Fascistas, pá! É por essas e por outras que Portugal está onde está! Fascistas!!
A segunda é a que tem o centro de tomada de decisão do cérebro ligado directamente à mão esquerda. Para estes, a decisão de manobrar o veículo para outra faixa/rua/etc possui acção imediata sendo a decisão tomada, o pisca accionado e o veículo manobrado - tudo em simultâneo.
Questionados sobre esta atitude, dirão: Atão mas eu não fiz pisca, querem ver?! Eu faço sempre pisca! E até parece que não havia espaço! Até parece que a estrada não é de todos! Fascistas, pá! É por essas e por outras que Portugal está onde está! Fascistas!!

Se nem com a porra de uma manobra devidamente assinalada nos conseguimos comprometer ou assumir essa responsabilidade perante os outros, como nos vamos comprometer com o resto? Como esperam que o resto seja melhor quando, no caso dos piscas, há malta a morrer e mesmo assim, as duas fações mantêm as suas posições?
USEM A MERDA DO PISCA, PORRA. QUAL É A DIFICULDADE?! QUAL?!
Nenhuma, querem ver?
E são apenas “eles” que não fazem, né?
Ninguém iria colocar os outros assim em perigo, né?
Pois.
É o costume.

publicado por Sónia às 11:04

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