“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

14
Ago 15

Há uns tempos, numa fila para pagar despesa numa bomba de gasolina, e mantendo eu o tal espaço de respeito para com quem insere códigos multibanco e afins, houve senhor que me passou à frente e se dirigiu ao balcão sem sequer perceber que havia a tal fila. A rapariga que estava atrás de mim, quando ele se despachou, deu um passo em frente, passando-me ao lado. Sem pensar sequer, larguei um “Mas eu estou aqui para enfeitar? Venho aqui enfeitar a loja? Não me vêem?!” Ela, novinha, soltou um sorrisinho nervoso e o passo que tinha dado em frente foi de imediato dado para trás, voltando ao lugar na fila atrás de mim. 
Esta invisibilidade tem as suas vantagens, claro. Uma espécie de “mosca na parede” à qual ninguém liga. Permite-nos ver e ouvir com maior à vontade, conscientes de que não estamos a ser observados. E permite-nos também espetar grandiosos cagaços em quem não nos está a ver, relembrando que deviam ter mais tento no que dizem e fazem porque, e lá está, há sempre alturas em que, quando se abre a boca, ou sai merda, ou entra mosca. 
Moscas na parede indeed.

publicado por Sónia às 15:35

22
Jun 15

Há cada vez mais pessoas com fortes desejos de voltarem às supostas raízes, reclamando o direito ao pé descalço, ao banho por tomar, à comida por cozinhar, renunciando à civilização moderna com todos seus artefactos e patetices supostamente desnecessárias. Há cada vez mais pessoas a exigirem o menos como forma de conseguirem o mais.
Pois então. Isso é tudo muito bem, tudo muito bonito, tudo muito louvável e afins. Sim, sim.
Mas não é para mim. Eu, produto mais ou menos bem acabado de milhares de anos de evolução humana, prefiro os meus pezinhos massajados com óleos e essenciais naturais ao invés de os ter sujos e calejados pela recusa de um bom par de sapatos. Eu não quero a minha pele seca e gretada pelo uso de folhas de oliveira com as quais me devo esfregar em substituto de um belo, relaxante e profundamente indecente banho em gigantesca banheira cheia de espuma bem cheirosa. Eu não quero que o que como me seja apresentado em estado cru e por explorar. Eu quero descobrir que aquele puré inocente, afinal, sabe a algo inesperado e delicioso, acordando sensações e colocando todos os sentidos em alerta.
Eu reclamo o direito ao luxo, ao bom, ao melhor. Eu reclamo o direito a um belo banho diário, a calçado de qualidade, a roupa lavada e em bom estado, a uma educação requintada, cheia, pomposa. Exijo o cumprimento do meu direito a um trabalho que me estimule, que me faça criar, que me dê prazer e me recompense dignamente. Reclamo o direito a produtos que me matem dores, que me atenuem mazelas, que façam com que a vida seja mais confortável. Reclamo o direito a poder viver e usufruir da civilização que tanto nos demorou a criar e à qual renunciamos com tanto afinco, dando o dito por não dito, porque o que é realmente bom é andar com lama no pés e sol na alma.
Eu gosto que o sol me chegue enquanto estendida à beira da piscina de um hotel de 5 estrelas. Gosto de saber que esse mesmo sol tenha ajudado fazer crescer os produtos usados para a criação de uma refeição cheia de estrelas Michelin e quero que a minha toalha de praia de marca, absurdamente cara, me apanhe o suor que tanta actividade bom-vivant provoca. Eu não renuncio aos prazeres do dinheiro, do conforto, do bom, do requinte, do excelente, do maravilhoso.
Mas pobre é mesmo assim, não é? Reclama direitos irreclamáveis, exige o inexigível. Sonha com tudo isto enquanto tenta tapar o buraco na t-shirt de 3 euros, enquanto engana a fome torrando pão para um pouco de manteiga, enquanto apaga luzes para não aumentar a conta de electricidade que já custa tanto a pagar, enquanto tenta esconder o bronze delimitado pela tal roupa a cair aos bocados.
Voltar às tais raízes? Se pensarmos bem, não é por não vivermos em casas de lama e fazermos velas caseiras que não vivemos na selva e às escuras.
O que eu adoraria um bom banho numa enorme banheira cheia de espuma enquanto pensava em qual o estilista que iria vestir nessa noite para ir a restaurante a abarrotar de estrelas Michelin provar comida fora deste mundo e usufruir de companhia e conversa inteligente sobre assuntos tão interessantes como o processo de criação artístico do Pollock ou de como correu a última visita ao Louvre.
Cada um com a sua selva para desbravar e sol do qual se tapar.

publicado por Sónia às 14:45

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