“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

18
Dez 17

É bem possível que a nossa capital seja o sítio mais propício à demonstração de um grave problema que assola Portugal e as suas gentes – a falta de capacidade de compromisso com seja o que for, quando for, onde for.
Ao nível macro, há muitas e fortes evidências deste flagelo. Vejamos:
- Quem votou nos cabrões no Governo (aplicável desde sempre e a todos os governos)?
Resposta: Ninguém (“eu não votei neles!”, “quem votou neles é que devia ser obrigado a fazer o que dizem!”, “eu nem fui votar!”, “eu votei nulo!”, “eu votei no meu primo Vitó!”, etc.)
- Quem entope as urgências dos hospitais e centros de saúde com situações menores?
Resposta: Eles! São eles, os tansos! Apanham uma constipação e tungas, Santa Maria com eles!, etc.
Mais exemplos há sobre a importância (e culpa) de figuras tão importantes como o Ninguém e o Eles, mas, o tempo urge e este post já vai longo (um cadinho, vá).
Passando para o nível micro, temos situações que também indiciam a falta de compromisso que assola este país. Ora...
- Quem comeu as bolachas que deixei em cima da minha mesa?
Resposta: Eu não fui! (o que dá para traduzir por “ninguém”)
- Quem acabou com o papel higiénico e não substituiu?
Resposta: Ninguém! (a malta até só caga em casa e aquele cheiro que por vezes se sente é dos esgotos).
- Quem foi a última pessoa a sair e deixou as luzes acesas?
Resposta: Ninguém (no entanto, se a pergunta fosse feita com apenas a sua primeira parte, haveria muito boa gente a levantar o bracinho pensando que estavam a fazer boa figura).
Mas a situação que mais indicia esta incapacidade para o compromisso é o flagelo do Pisca-que-nunca-o-é.
Eu explico.
Em Lisboa, existe agora uma moda que possui duas fações.
Ambas contestam o apropriado uso dos piscas para assinalar uma qualquer manobra mas uma é totalmente hardcore, purista e pouco disposta a alterar a sua forma de agir, enquanto que a outra é um pouco mais soft, mais adaptável, mais branda, mas igualmente pouco disposta a alterar a sua forma de agir.
A primeira é a que pura e simplesmente não faz pisca.
Quando empreendem uma qualquer manobra, empreendem-na e pronto. Há um espacinho entre aqueles dois carros numa fila que anda a 5 ou a 120 à hora? É para lá que desviam o carro sem dar pêva a ninguém.
Questionados sobre esta atitude, dirão: Eu?! Eu faço sempre pisca! E até parece que não havia espaço! Até parece que a estrada não é de todos! Fascistas, pá! É por essas e por outras que Portugal está onde está! Fascistas!!
A segunda é a que tem o centro de tomada de decisão do cérebro ligado directamente à mão esquerda. Para estes, a decisão de manobrar o veículo para outra faixa/rua/etc possui acção imediata sendo a decisão tomada, o pisca accionado e o veículo manobrado - tudo em simultâneo.
Questionados sobre esta atitude, dirão: Atão mas eu não fiz pisca, querem ver?! Eu faço sempre pisca! E até parece que não havia espaço! Até parece que a estrada não é de todos! Fascistas, pá! É por essas e por outras que Portugal está onde está! Fascistas!!

Se nem com a porra de uma manobra devidamente assinalada nos conseguimos comprometer ou assumir essa responsabilidade perante os outros, como nos vamos comprometer com o resto? Como esperam que o resto seja melhor quando, no caso dos piscas, há malta a morrer e mesmo assim, as duas fações mantêm as suas posições?
USEM A MERDA DO PISCA, PORRA. QUAL É A DIFICULDADE?! QUAL?!
Nenhuma, querem ver?
E são apenas “eles” que não fazem, né?
Ninguém iria colocar os outros assim em perigo, né?
Pois.
É o costume.

publicado por Sónia às 11:04

02
Fev 16

Como é que consegues fazer isso? Ires buscar a confiança suficiente para arriscares certas coisas, tentares outras, teres tanta certeza em algo que não sabes como vai ser?

Perguntar pela coragem de alguém como se fosse uma espécie de poção mágica que se compra em ervanária é reduzir a mesma a algo simples e fácil, que basta engolir e esperar o efeito.

Ter coragem, já dizia o outro, não é não ter medo; é seguir em frente apesar do medo, por muito que se trema, por muito que doa, por muitas dúvidas que nos assolem o espírito e façam fraquejar as pernas.

Eu, que prefiro saber a ficar na dúvida, já aprendi (e vou aprendendo) que quando o estômago me grita, não há nada que cabeça e coração possam dizer ou fazer para me tirar certa crença ou fé. Posso até ficar doente só de pensar, enjoada só de imaginar; até posso sentir que cada nervo do meu corpo, cada fibra do meu ser, me suplica uma fuga rápida de certa situação, me implora que saia dali e veja o desenrolar dos acontecimentos a uma distância segura (ou feche os olhos com força e espere que passe). Pode até faltar-me o ar, pode o coração saltar um batimento (ou cinco), podem os dedos ficar dormentes e os cabelos da nuca eriçados em antecipação a qualquer choque que aí possa vir. Posso ficar gelada no lugar, sentidos em alerta máximo, olhos a procurarem saída, mãos suadas e a tremer. Pode tudo isso acontecer numa fracção de segundo, num piscar de olhos, numa golfada de ar que nos é roubada sem mais nem menos. Pode ser isso tudo e muito mais. Muito, muito mais.

Como tens coragem para ficar? Como resistes a vontade tão forte de fugir? Como tens coragem suficiente para entregares o teu destino, o teu bem-estar, a outra pessoa ou colocá-la em risco numa qualquer situação que não controlas?

A minha coragem é minha. A minha força é minha. A minha fé é minha. Assumo-as sem medos, sem pânico de poder vir a estar errada, sem as fazer depender de mais ninguém. Se estiver errada, as quedas também são minhas. Os joelhos são meus. Incluindo as esfoladelas, as cicatrizes.

E as pernas que antes tremiam e vacilavam, que recusavam sair do lugar, são minhas para me levantar e obrigar a seguir em frente, por muito que o resto do corpo apenas se queira enrolar e esconder algures onde não existam perigos alguns.

Ter coragem não é ausência de medo. É assumir o medo, respirá-lo e mastigá-lo até nada sobrar, até o monstrinho que prometia o terror ser reduzido a suspiro, a memória desvanecida, àquele tipo de pó que desaparece com simples sopradela.

Como tenho coragem? Como podia não ter? Antes a luz que o escuro. Antes a cor que o preto e branco apenas. Antes saber-me, a mim e aos meus, do que viver na dúvida, cautelosa, cheia de receios infundados e medos inventados para nos impedirem de dar aquele passo, aquele preciso passo que, depois de tomado, ou nos faz aterrar com um estrondo e nos dá a certeza que da próxima saberemos melhor o que fazer, ou que, pelo contrário, nos faz voar.

Ter fé no que se acredita, acreditar no que se tem fé, confiar no que se confia.  

A coragem até nem conta muito para a equação, para o resultado final, para o processo.

Acreditem que não.

Acreditem. 

publicado por Sónia às 13:51

01
Out 15

Não, não temos que aturar ou ser complacente com o idiota chapado que se mostra ser totalmente abominável como pessoa. 

Não, não temos que aguentar quem nos chateia e causa impressão sem ser da boa.
Não, não temos que aceitar pessoas que pura e simplesmente não acrescentam nada de bom nas nossas vidas.
Não, não temos que ser compreensivos porque aquilo é feitio, não defeito. Há pessoas más e há más pessoas. São assim e mais nada. Não é um mau dia que estão a ter, não é um momento, não é uma fase. Não prestam e pronto. E não, não temos que andar permanentemente a inventar desculpas e razões para tentar ver o lado bom de quem comprovadamente não o possui.
Não, não temos que ouvir e calar quando algo não nos agrada para não levantar ondas e possivelmente ofender quem não se preocupa em o fazer connosco.
Não, ser-se assertivo não é o mesmo que ser-se agressivo e não, não temos que aturar quem não aceita tal diferença.
E se acham que o mais difícil de tudo é dizer não a estas coisas, experimentem dizer que sim.
Não temos necessidade do que não temos necessidade. Venha quem vier. Até mesmo nós.

publicado por Sónia às 15:02

25
Jun 15

Não é cansaço. É mais que isso. E não é exaustão. Fosse, e umas noites bem dormidas após dias calminhos resolveriam a questão. Não é cansaço nem exaustão, é mais que isso.
É a sensação de estarmos moídos, gastos, agastados. De cada vez sobrar menos de nós depois da passagem dos outros ou das situações. É um trilho que vamos deixando para trás a marcar os sítios, e pessoas, onde mais um pouco de nós ficou.
Vamos ficando cada vez mais leves, cada vez menos capazes de enfrentar os elementos de pés bem assentes no chão. Para não levantarmos voo com a primeira brisa mais forte que nos apanhe, usamos refúgios (e subterfúgios) onde ficamos muito quietinhos, esperando que tudo volte a amainar.
Não me tirem mais um pedaço de mim, pedimos. Não me façam desaparecer. O que sobra requer sempre tanto trabalho e esforço para cuidar.
Vamos sobrando em forma de essência de nós, sem os adornos que vamos espalhando por aí, que nos vão arrancando. Chega-se a uma altura em que somos apenas o que somos, sem desculpas, sem explicações, sem vergonha, sem medo. O processo dói e faz doer, é necessário que doa para que, no fim, providos apenas com o que somos e não com o que pensamos que somos (ou o que os outros pensam que somos), possamos, finalmente começar a apenas ser, deixando o vou sendo para trás.

publicado por Sónia às 13:15

28
Mar 15

Há pessoas que, quando se deixam de merdas, se afastam.
E depois, há aquelas que, quando também se deixam de merdas, se aproximam.
Não há prémios para estas lutas, e todos perdem algo – seja tempo, paciência ou as pessoas em si.
Em que tipo de merdas andas tu a insistir?

publicado por Sónia às 15:23

20
Fev 15

Somos todos muito bons, bonzinhos.
Somos "neutros" para a maldade, soberbos para o bem, possuidores de impressionantes capacidades de perceber a diferença entre os dois. Amigos dos nossos amigos (que são sempre os melhores do mundo), justos para com os inimigos (que nunca têm razão nenhuma), amantes fervorosos (sabemos perfeitamente o que andamos a fazer) e humanos completos (partilhamos histórias de atentados contra a humanidade com lágrima no canto do olho, nem pestanejamos em ofender quem mal trata um animal).
Se assim é, se assim somos, tão bons e bonzinhos, de quem falam os outros quando falam mal dos outros?

publicado por Sónia às 10:54

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