“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

17
Mar 15

Ela tinha o esquema bem montado. Revia-o vezes e vezes sem conta, sempre à procura de algum pormenor que lhe pudesse ter escapado, que colocasse em questão a sua vitória. As batalhas que empreendia, sabia-o muito bem, tinham prémio demasiado bom para o vencedor. Ao vencido, apenas os despojos dos planos de guerra tão cuidadosamente pensados e alinhados.

Se se ia entregar a alguém, tinha de ter a certeza que esse alguém se aguentaria a duelo inicial em que a rendição não era opção. Antes a morte. E, por detrás das espadas que voavam e das palavras afiadas que cuspia sem fim, olhava o seu oponente e pensava: por favor, não desistas da batalha agora. Se não lutares por mim agora quando não há nada a perder, como vou acreditar que o farás quando houver?

O desdém com que tratava os que desistiam era assustador. Ria-se na cara deles, segura das suas inseguranças, sabendo perfeitamente que se não havia ali força para a quebrar desde o início, muito menos haveria para a erguer e segurar mais à frente.

Era uma guerra sem fim, a que travava. Não com os outros, mas com ela própria. Queria, mais que tudo, poder entregar-se. Queria, mais que tudo, ter quem não se apavorasse ao mais pequeno repenique de mau feitio. Queria, acima de tudo, que lhe dissessem “És uma tretas. Uma mentirosa. Não és nada disso. Cala-te, pára quieta e anda cá se não, vou-te aí buscar. Não me enganas mais”. Queria sentir-se sem forças. Queria sentir que só podia sentir. Queria poder cair de joelhos, render-se, e proclamar a quem a merecesse: Sou tua. Ganhaste-me. Tens-me. Agora vê lá a merda que fazes que para me ir embora, não dou assim tanta luta.

Queria que a quisessem, de corpo e alma, que estivessem preparados para sofrer no antes o que sabia não se poder sofrer no depois. Ou se aguentavam ao pior dela e sobreviviam, ou não tinham direito ao melhor. Simples.

Muitos havia que, ao tentarem a sorte em tal causa, descobriam que, afinal, não era bem aquele tipo de mulher que desejavam. Quase que choravam ao admitir as fraquezas, os estereótipos, os rótulos que queriam que a sua mulher tivesse. Refilonas e fortes é uma coisa; singelas e obedientes, outra. A paz daqueles homens fracos e inseguros provinha da pacatez e falta de vida de com quem podiam estar.

Era uma guerra. E ela travava-a sem parar. Mesmo sabendo que não devia encarar a coisa como uma guerra, seguia em frente como quem entre numa floresta e vai cortando os ramos das árvores para trilhar caminho, sem medo. O pavor que tinha com ela, que residia no fundo da sua alma e não a deixava respirar como deve ser em certos dias, provinha da noção da floresta poder nunca acabar, ou pior: de poder chegar ao outro lado da floresta e já não haver oponentes com quem batalhar.

Não tinha medo de estar sozinha. Disso percebia ela. Tinha era pavor de não ser quem alguém quisesse, que não houvesse nada nela que se pudesse querer, que ela não era para querer. Isso, sim. Fazia-a tremer dos pés à cabeça. Os medos conquistam-se, acreditava. E se meto medo, então só posso ser conquistada.

publicado por Sónia às 18:35

09
Fev 15

Quando não há nada a perder, há tudo a ganhar?
Porque é que só nos mostramos a sério, naquilo que realmente somos, quando não temos nada a perder? Não devia ser ao contrário? Não devíamos mostrar-nos a sério quando temos algo a ganhar? Porque não vimos a questão ao contrário? Porque é que não lutamos a favor de algo e não contra? Porque é que lutamos contra o vazio iminente e nunca a favor de algo sempre repleto? Porque é que só entramos em acção quando encostados à parede, quando nos ameaçam, quando nos metem medo? Porque é que só damos o nosso melhor nestas alturas, nunca evitando que lá se chegue noutras?
Porque é que insistimos em dar razão à máxima que diz que só se dá valor ao que se perde?   
E o valor que se dá ao que se ganha? Não vale nada por comparação?
Quando há tudo a ganhar, porque é que se pensa primeiro no medo de perder? E porque é que esse medo fala mais alto, congelando-nos no lugar, do que o desejo de tudo ter?
Mas porque é que não haveremos de ter tudo? Porque é que não haveremos de ir atrás, sem medo? O que é que temos a perder a não ser o medo do medo em si?
Se não há nada a perder e isso é confortável, então aí é que se perdeu e perde mesmo tudo.  

publicado por Sónia às 12:23

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