Fazes a rotunda em terceira. Lá mais à frente, camião ganha velocidade numa curva larga que termina numa longa recta.
Esgotas a terceira e, com suavidade, passas para quarta.
Ajeitas-te no banco. Sentes as protecções laterais contra as costelas. Empurras-te para cima ligeiramente e sentes o banco como que a engolir-te. Colocas o cotovelo em cima do guarda-copos entre os bancos da frente e abres a mão, encontrando o manípulo das mudanças. Esticas os dedos e, sozinhos, encontram a posição natural em cima daquele pequeno pedaço de metal cheio de números.
A mão esquerda, obediente, coloca-se na sua posição preferida no volante, agarrando-o com firmeza.
Estás a meio da curva, bem atrás do camião.
Pelo lado direito, consegues ver se vem alguém na recta.
Vem.
Esperas.
Passam um camião e um carro por ti.
No sistema de som, Snow Patrol a níveis de concerto.
Fechas o vidro que estava ligeiramente aberto.
Sais da curva, um quilómetro de recta à tua frente. E um camião.
Vais em quarta, rotações nas 2750, a cerca de 100 à hora. Sabes que o turbo entra ali às 3100. Sabes tudo o que vai acontecer, o que fazer, como fazer, quando fazer.
Deixas o pé pressionar o acelerador. Um segundo depois, 110 quilómetros à hora.
Aproximas-te do camião. Desvias-te para a faixa do lado bem antes.
Inspiras.
Dois segundos, 120 quilómetros à hora.
Sentes o turbo entrar em acção. Um ligeiro solavanco que te atira para a frente com mais convicção ainda.
Sentes o pescoço a fazer força para a frente. O tronco afunda-se no banco. A música e o som do motor fundem-se.
O pé continua a carregar no acelerador sem força. Só um pouco de peso basta.
130 quilómetros à hora.
Mais um segundo e 140 quilómetros à hora.
Passas o camião.
Recta vazia à tua frente. Duas faixas de alcatrão livre.
150 quilómetros à hora.
Expiras. Metes a quinta.
160 quilómetros à hora.
Fechas os olhos.
Aceleras um pouco mais.
Deixas a cabeça cair para trás contra o apoio.
Contas até três devagarinho enquanto a música e o motor te cobrem de som.
Só sentes força. Mais nada. Força contra ti, atirando-te para dentro do banco, empurrando-te, agarrando-te.
Expiras.
Sentes uma espécie de arrepio pelo corpo todo.
Aguenta… aguenta…
Abres os olhos.
180 quilómetros à hora.
Metes a sexta mudança.
Levantas o pé do acelerador.
Voltas para a faixa da direita, saindo do meio da estrada.
Sorris.
Ajeitas-te no banco outra vez, aconchegando-te melhor.
Dirigindo-te à finíssima peça de engenharia à tua volta, pensas: Pronto, pronto. Já chega. Já brincaste um pouco hoje. Shhh…
Voltas aos 100 quilómetros à hora.
Sorris outra vez.
Mudas a música.
Siga viagem.