“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

02
Fev 16

Como é que consegues fazer isso? Ires buscar a confiança suficiente para arriscares certas coisas, tentares outras, teres tanta certeza em algo que não sabes como vai ser?

Perguntar pela coragem de alguém como se fosse uma espécie de poção mágica que se compra em ervanária é reduzir a mesma a algo simples e fácil, que basta engolir e esperar o efeito.

Ter coragem, já dizia o outro, não é não ter medo; é seguir em frente apesar do medo, por muito que se trema, por muito que doa, por muitas dúvidas que nos assolem o espírito e façam fraquejar as pernas.

Eu, que prefiro saber a ficar na dúvida, já aprendi (e vou aprendendo) que quando o estômago me grita, não há nada que cabeça e coração possam dizer ou fazer para me tirar certa crença ou fé. Posso até ficar doente só de pensar, enjoada só de imaginar; até posso sentir que cada nervo do meu corpo, cada fibra do meu ser, me suplica uma fuga rápida de certa situação, me implora que saia dali e veja o desenrolar dos acontecimentos a uma distância segura (ou feche os olhos com força e espere que passe). Pode até faltar-me o ar, pode o coração saltar um batimento (ou cinco), podem os dedos ficar dormentes e os cabelos da nuca eriçados em antecipação a qualquer choque que aí possa vir. Posso ficar gelada no lugar, sentidos em alerta máximo, olhos a procurarem saída, mãos suadas e a tremer. Pode tudo isso acontecer numa fracção de segundo, num piscar de olhos, numa golfada de ar que nos é roubada sem mais nem menos. Pode ser isso tudo e muito mais. Muito, muito mais.

Como tens coragem para ficar? Como resistes a vontade tão forte de fugir? Como tens coragem suficiente para entregares o teu destino, o teu bem-estar, a outra pessoa ou colocá-la em risco numa qualquer situação que não controlas?

A minha coragem é minha. A minha força é minha. A minha fé é minha. Assumo-as sem medos, sem pânico de poder vir a estar errada, sem as fazer depender de mais ninguém. Se estiver errada, as quedas também são minhas. Os joelhos são meus. Incluindo as esfoladelas, as cicatrizes.

E as pernas que antes tremiam e vacilavam, que recusavam sair do lugar, são minhas para me levantar e obrigar a seguir em frente, por muito que o resto do corpo apenas se queira enrolar e esconder algures onde não existam perigos alguns.

Ter coragem não é ausência de medo. É assumir o medo, respirá-lo e mastigá-lo até nada sobrar, até o monstrinho que prometia o terror ser reduzido a suspiro, a memória desvanecida, àquele tipo de pó que desaparece com simples sopradela.

Como tenho coragem? Como podia não ter? Antes a luz que o escuro. Antes a cor que o preto e branco apenas. Antes saber-me, a mim e aos meus, do que viver na dúvida, cautelosa, cheia de receios infundados e medos inventados para nos impedirem de dar aquele passo, aquele preciso passo que, depois de tomado, ou nos faz aterrar com um estrondo e nos dá a certeza que da próxima saberemos melhor o que fazer, ou que, pelo contrário, nos faz voar.

Ter fé no que se acredita, acreditar no que se tem fé, confiar no que se confia.  

A coragem até nem conta muito para a equação, para o resultado final, para o processo.

Acreditem que não.

Acreditem. 

publicado por Sónia às 13:51

20
Jun 15

Todos temos tampas. Não tampas das que se levam (ainda que se levem) mas das que se colocam mais ou menos elegantemente em cima de certos assuntos. Para além de todas as pequenas tampas que vamos distribuindo no dia-a-dia, tapando conversas parvas, reacções estúpidas ou coisas demasiado incompreensíveis para ficarem à vista, há umas tampas especiais, com grampos, que só são usadas em caso de extrema necessidade.
Estas, e podem ser muitas, as necessárias, têm sítio próprio onde só elas cabem e se encaixam. Por norma, situam-se ali algures no esófago, entre onde fica o coração e o estômago. Para além de não deixarem que mais coisas alimentem certas situações, não permitem que as putas das reacções viscerais contaminem o pobre o sensível coração ou que fiquem com caminho livre até à boca de onde tudo pode sair à mais pequena provocação.

São difíceis de colocar porque, por norma, só as vamos buscar quando já está tudo em erupção – os pulmões ofegantes, a boca seca de tanta disparate dizer, o coração descontrolado a bater a mil e o estômago armado em contorcionista, engolindo e cuspindo tudo fora ao mesmo tempo. É uma festa. E para manter a festa dentro dos limites razoáveis e evitar que alguém chame as autoridades, vão-se buscar as tampas e, no meio do caos, colocam-se no lugar, fixando-as e aguardando que tudo, daí em diante, acalme. Limpa-se o que estiver sujo, arruma-se o que estiver por arrumar, ajeita-se o quadro torto, sacodem-se os cortinados, endireita-se o tapete.
Temos de ficar sempre de olho nelas, a ver se continuam a vedar, a proteger, a impedir que se volte ao caos anterior em que se respira pelo coração, se fala pelo estômago, se sente com os ossos. Com o tempo, após o devido tempo, podem ser retiradas e analisados os estragos permanentes. Mande-se fazer novas tampas, maiores ou mais pequenas, mais fortes ou mais leves. Ou deitem-se fora de vez. Tudo depende dos estragos permanentes que fiquem em nós, enterrados em nós, digeridos em nós, marcando a passagem de algo pela vista e que no-la tolda para sempre.

Todos temos tampas, mas o melhor é tê-las sempre à mão. Nunca se sabe que voltas nos vão dar às entranhas.

publicado por Sónia às 13:00

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