“The older I grow, the more I distrust the familiar doctrine that age brings wisdom.” - H.L. Mencken

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Dez 17

Sei, por experiência própria, que, se não quisermos saber de algo ou alguém, então, nem que três vacas tussam o hino nacional enquanto descem a Serra da Estrela de trenó, nada nem ninguém nos vai demover dessa falta de sentimento ou emoção. 

Há livros escritos sobre o tema da motivação e sobre como ser líder influencia o que os outros fazem e sentem. Há vidas inteiras dedicadas ao estudo e tentativa de compreensão dessas merdas. Não era preciso. 

Pergunte-se às pessoas pelo que querem saber ("what do you care about?") e facilmente descobrirão as suas motivações e, consequentemente, forma de as manter motivadas e felizes e felizes por estarem contentes.



Em Lisboa, creio que seja isso. As pessoas não querem saber. Simplesmente não querem saber.



Sinal vermelho? Quero lá saber, passo na mesma! Quem me vai impedir?



Estrada com carros a passar a 50 à hora? Quero lá saber! Vou-me atirar para cima desta passadeira e eles têm de parar!

Alguém a desfalecer encostado a uma parede? Pfff! Nem conheço! Quero lá saber!



Desviar-me, num passeio cheio de gente, criando espaço para que ninguém se tenha de atirar para a estrada/contra uma parede? Quero lá saber! Chegassem mais cedo!



Pode até ser que seja nas grandes cidades que todo este "não quero saber" melhor se veja devido ao stress e rapidez com que a vida por aqui acontece. Pode até ser que seja nas grandes cidades que o stress e rapidez com que a vida por cá se vive seja devido ao "não quero saber" de quem por cá passa. Pescadinha de rabo na boca e, por mais, cheia de fome. 



Talvez seja aqui, sobe esta luz intensa que amplia tudo e torna tudo mais evidente, que se veja o tal estado a que chegámos. Ou talvez o estado a que chegámos seja ele próprio essa luz que tudo queima. 



Não sei.



Só sei que todos os dias, salvo raras excepções, olho à volta e não vejo ninguém feliz. São estados ausentes que conduzem os carros pelo trânsito, que mexem pernas pelas ruas. São olhos vidrados que olham os prédios históricos e mãos adormecidas que seguram os sacos cheios de enche-almas em forma de bens materiais. São pés que não sentem o chão que pisam e, algures ali pelo meio, peitos vazios e ocos que em tempos souberam o que era estarem cheios e a arrebentar de algo. Há um permanente estado de letargia a atirar-se para a irritação que se sente no ar. Não se pode acordar ninguém do seu sono acordado. As consequências podem ser violentas, especialmente para quem e arrancado do seu ó-ó.



 

Há uns tempos, poucos, fui de boleia a um sítio no meu Ribatejo. Sentei-me no banco de trás e pus-me a olhar para a paisagem que, de resto, já vi mil vezes. Paisagem livre, verde, onde se vê o céu e onde, à noite, se vêem estrelas. Campos roliços, montes cuidados, arvoredo bonito que parece estar ali apenas para proteger a terra de onde nasceu. Pessoas rijas, duras, de confiança e cheias do tal sentimento que a tantas falta - elas querem saber.



Eu sou daqui, disse baixinho. Eu sou disto. Eu sou isto.



É disto que quero saber. É isto que me move e comove. É isto que me deixa em mim.



 

Eu reparo nos prédios, desvio-me das pessoas, páro nos sinais vermelhos, faço pisca e dou passagem a peões. Mas, sinceramente, não quero saber. Só o faço para que não me arranquem do meu sono acordado e me obriguem a estar mesmo cá.

publicado por Sónia às 10:08

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